Verter-se é um livro escrito com muita coragem, pois trata-se de um homem que encara o desafio de lidar com suas próprias águas internas. Lidar com o feminino dentro de si (ver), escutá-lo, apropriar-se dele (ter-se) para então poder voltar-se ao mundo exterior em forma de livro (verter-se). 

É um convite ao leitor a adentrar nas águas internas do autor e, quem sabe, fazer o leitor aventurar-se nas suas próprias águas internas. E para adentrar no reino das águas, é preciso ter cuidado, cautela, ir aos poucos como um olho d’água que torna-se lentamente um rio, vai abrindo caminho pela terra, tantas vezes arrasada e ressequida que também aos poucos vai ganhando vida, e as águas ganhando força.

De repente essas águas transformam-se em um mar revolto provocando uma tsunami imparável à qual nada escapa, pois mesmo aqueles que sobrevivem a ela, guardam-na na memória. O poeta nos lembra dessa forma que isso pode nos ensinar não só sobre a potência desse elemento, uma energia que alimenta continentes, a qual temos dentro de nós, e também nos ensina a deixar ir o que quer que tenha que ir de nossas vidas, fechar ciclos para que novos ciclos comecem.

Indo do mundo interno para o externo, o autor se remete ao Rio onde nasceu, a cidade do Rio de Janeiro, cheio de contradições e dificuldades, porém o poeta lembra que podemos sempre tentar vislumbrar suas enormes possibilidades.
Outro aspecto visto no livro é o tema da modernidade líquida, onde retornamos à exortação do autor sobre a rapidez das águas gélidas que o mundo moderno pode apresentar, a armadura de gelo que às vezes somos obrigados a usar por mera questão de sobrevivência diante das tempestades de gelo que possam surgir à nossa frente. Mas esse mesmo gelo, com o calor necessário também derrete e o ciclo da água pode começar novamente.

Marlos Drumond